Em: 17/11/2016
Acessando o tempo profundo
Quando nos deparamos com estudos relacionados seja a atividade do homem na pré-história ou a descoberta de fósseis de organismos que a milhares de anos já não mais existem, é comum encontramos escalas de tempo que vão muito além daquilo que abrange nosso tempo de vida e o registro histórico. Estamos bastante familiarizados com o evento de extinção dos dinossauros em decorrência do impacto de um meteoro com a terra, por volta de 66 milhões de anos atrás, ou com a origem da vida por volta de 4 bilhões de anos e, em escala mais recente, com o início da agricultura e domesticação de plantas e animais, por volta de 10 mil anos atrás. Contudo, como podemos afirmar que tais eventos de fato ocorreram em épocas tão remotas? Épocas que fogem aos registros históricos? Muito convenientemente a natureza nos proveu relógios naturais que nos fornecem evidências muito claras de quando tais eventos teriam ocorrido. Tais relógios são os elementos químicos radioativos, ou isótopos radioativos.
Como discutido no texto "Conexão Cósmica", elementos químicos são formados por prótons, elétrons e nêutrons. Elementos radioativos possuem um núcleo instável. Porém, todo sistema instável tende a estabilidade e, como tal, estes elementos químicos também. No processo de se tornarem estáveis, libaram energia e partículas se transformando em outros elementos químicos (elemento filho). A este processo dá-se o nome de transmutação.
Durante o processo de transmutação um isótopo (forma de um elemento químico) radioativo emite três principais tipos de radiação: radiação alfa, beta e gama. Durante o decaimento alfa, o núcleo ejeta uma particula composta por dois prótons e dois nêutrons. Esta partícula recebe o nome de partícula alfa. No decaimento beta, um nêutron do núcleo atômico é quebrado em um elétron e um próton. Neste processo, somente o elétron, então, é ejetado do núcleo, recebendo o nome de partícula beta. Em ambos decaimento alfa e beta há perda de massa por parte do isótopo, já que ele está perdendo elementos do núcleo. Já no decaimento gama, não há perda de massa. A energia é liberada na forma de energia eletromagnética. Este tipo de radiação é comumente utilizada em exames de detecção por imagem, por exemplo.
Embora não seja possível prever quando um único átomo sofrerá transmutação, é possível predizer a meia-vida de um conjunto de átomos de um dado elemento, uma vez que estes sofrem transmutação em uma taxa constante desde o momento em que foram formados. A meia-vida é o tempo que dado elemento leva para que metade de seus átomos se transforme em outro elemento. Tomemos como exemplo o famoso isótopo Carbono 14. O Carbono 14 (14C), quando sofre transmutação, se transforma em Nitrogênio 14 (14N). O tempo necessário para que, digamos, 100g de Carbono 14 se transforme em 50g de 14C e 50g de 14N é de 5.730 anos. Assim, dizemos que a meia-vida do Carbono 14 é de 5.730 anos. Assim, é possível calcular a idade de ossos ou conchas por exemplo. Sabendo a que taxa ocorre este decaimento e qual a quantidade deste elemento em uma substância, basta calcular o quanto resta deste elemento. Mas note que o Carbono 14 só pode ser utilizado para estimar o tempo de substâncias relativamente recentes (até cerca de 70.000 anos). Para estimar outros elementos, como rochas é necessário a utilização de isótopos com meia vida muito mais longa.
A meia-vida de isótopos radioativos varia de yoctosegundos (10-24) a septilhões de anos (1024) - como no caso do Telúrio 128 que tem uma meia vida de 2,2 septilhões de anos. Por exemplo, o isótopo Tório 232 tem uma meia-vida de 14,05 bilhões de anos, enquanto a meia-vida do isótopo Oxigênio 13 é de apenas 8.58 milissegundos. (Para mais informações sobre isótopos e suas meias-vidas, cheque a tabela no seguinte link: http://w.astro.berkeley.edu/~dperley/areopagus/isotopetable.html)
O que torna o uso deste princípio para a datação de amostras ainda mais confiável é o fato de que diferentes elementos possuem dististos tempos de meia vida. Como dito acima, essa meia-vida de pode variar da ordem de milésimos de segundos a bilhões de anos. Assim, para maiores escalas temporais, isótopos com meia-vida mais longas são utilizados, como a datação por Potássio-Argônio, que permite datações que vão de 1 mil até bilhões de anos. Ainda, para aumentar a precisão das medições, normalmente, mais de um isótopo e seus produtos filhos são levados em consideração. A sobreposição de resultados do decaimento de diferentes isótopos pai em isótopos filho aumenta a precisão dos resultados. O processo de determinação de idade de amostras por meio da razão isótopos pai/isótopos filhos recebe o nome de datação radiométrica.
Mas então quando inicia a contagem do relógio? Bem, isso depende do isótopo. Para isótopos de Potássio, por exemplo, o relógio começa a contar a partir do momento que a lava é resfriada e dá origem a rocha. A partir deste momento, o Argônio produzido no decaimento do Potássio é retido na rocha e pode vir a ser usado para estabelecer a idade da mesma. Para o Carbono 14, contudo, a situação é diferente. Quando nêutrons térmicos provenientes da radiação cósmica atingem átomos de 14N nas camadas superiores da atmosfera terrestre, estes se tornam 14C. O 14C então é incorporado no ciclo do carbono, pela fotossíntese, sendo transformado em tecidos vegetais, que por sua vez podem ser consumidos por herbívoros e, se for o caso, por carnívoros. Desta forma, a quantidade de 14C atmosférico é relativa àquela presente nos seres vivos no momento da morte (uma parte por trilhão). Então, no caso do Carbono 14, o relógio começa a contar quando o organismo morre e deixa de realizar trocas com o meio. Por isso podemos estimar o tempo de uma ossada humana ou dos restos (de alimento) de uma civilização, por exemplo. Já para um fóssil de dinossauro, como vimos, temos de apelar para outros elementos.
É fascinante pensar que, com base no entendimento de tais processos, podemos acessar informações precisas sobre eventos que ocorreram antes mesmo da formação do sistema solar e que fornecem detalhes de tempos que vão muito além daquilo que nos deparamos corriqueiramente.
Para mais informações, acesse a bibliografia abaixo:
http://edtech2.boisestate.edu/lindabennett1/502/nuclear%20chemistry/types%20of%20decay.html
http://w.astro.berkeley.edu/~dperley/areopagus/isotopetable.html
http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/nuclear/radact.html
http://www2.lbl.gov/abc/wallchart/chapters/13/4.html
http://geomaps.wr.usgs.gov/parks/gtime/radiom.html
http://www.earthobservatory.sg/faq-on-earth-sciences/how-do-we-know-age-seafloor
The Greatest Show on Earth: The Evidence for Evolution. By Richard Dawkins.
Texto: Maikel Gaitkoski
Aluno de Graduação do Curso de Biotecnologia
Universidade Federal do Pampa- São Gabriel-RS