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Em: 01/08/2016

Morfologia e Morfometria.
Mas afinal que raios é a morfometria geométrica?

Muito antes da humanidade criar o formalismo científico a nossa espécie já demonstrava sua admiração pela diversidade das formas dos organismos. Pinturas rupestres, datadas em mais de 15.000 anos, em cavernas na Europa central, retratando bovídeos, cavalos e cervos - seriam essas as primeiras “pichações” ou apenas arte pré-histórica? Além de sítios arqueológicos com pequenas esculturas de formas de pessoas e outros animais, até chegar ao antigo Egito com estátuas de deuses com corpos humanos e cabeças de coiotes e falcões adornando templos ou no caso da esfinge com corpo de leão e cabeça de homem, são apenas alguns exemplos do nosso apresso pelo mundo orgânico ao nosso redor.

Ao longo de gerações de artistas, esse empenho em melhor retratar nas esculturas e pinturas as feições da natureza, um maior entendimento sobre morfologia e anatomia foi sendo consolidado. Por exemplo, grandes artistas renascentistas (por volta do século XVI) eram excelentes anatomistas. Um maior formalismo intelectual, vindo principalmente da revolução científica (século XVI), deu um maior suporte ao estudo da morfologia. Este termo “morfologia” foi cunhado no século XVIII para se referir ao estudo da forma dos organismos. Todo o desenvolvimento da anatomia comparada com o naturalista francês Georges Cuvier (século XVIII) e estudos entre diferentes espécies de animais nos ajudou a entender as conexões entre espécies extintas e atuais. Por exemplo, comparando ossos fósseis de mamutes com ossos de elefantes modernos e assim descrevendo suas semelhanças e diferenças, podemos entender suas relações de parentesco e descendência. Estes estudos, dentre outros, ajudaram na ideia de evolução biológica por meio da seleção natural desenvolvidas por Darwin e Wallace no século XIX e outros tantos naturalistas que os seguiram depois.

Até então, esta morfologia era um tanto descritiva, mas com trabalhos publicados no final do século XIX é que a biometria surge a partir de estudos sobre a variação na forma dos organismos através de correlações entre medidas de distâncias em estruturas biológicas. A palavra “morfometria” foi formulada em 1965, referindo-se aos estudos que quantificavam a variação na forma dos organismos, relacionados tanto a forma como ao tamanho. Este conceito de “mensurar a forma” teve um grande desenvolvimento com o auxílio de ferramentas como a estatística univariada (quando um aspecto influencia outro) e multivariada (quando diversos aspectos estão relacionados a uma ou mais mudanças) e a popularização de computadores e programas de análise estatística. No entanto, permaneceram críticas ao esboço teórico e aos métodos.

Apenas no início dos anos 80 do século XX tem início a “morfometria geométrica”. Esta abordagem já não era baseada em medidas lineares, mas sim, em coordenadas cartesianas de um conjunto de marcos anatômicos, ou seja, pontos homólogos que poderiam ser reconhecidos nas mesmas estruturas em diferentes organismos. Estes pontos podem ser marcados sobre séries de fotos digitais feitas de maneira padronizada ou com braços digitalizadores em 3D. Estas coordenadas são sobrepostas por um método conhecido como “sobreposição generalizada de Procrustes” que remove os efeitos de posição, orientação e escala, resultando nos “resíduos de forma” que serão analisados. Assim, resumindo, a morfometria geométrica é uma forma de quantificar diferenças de forma. Muitas vezes podemos observar que uma determinada estrutura é diferente, embora suas medidas gerais possam ser semelhantes. Esta técnica permite atribuir valores numéricos a estas diferenças, que por sua vez podem ser analisados estatisticamente para verificar a existência de diferenças e entender ao que elas estão relacionadas. 

Figura 1. Exemplo das etapas da aquisição dos dados na morfometria geométrica com um exemplar do gênero Ctenomys (tuco-tuco). Fotos digitais do crânio nas vistas dorsal, ventral e latera, e mandíbula na coluna da esquerda. Na coluna do meio, desenho do crânio nas diferentes vistas indicando a posição dos marcos anatômicos (pontos numerados). Na coluna da direita, a variação da forma destes marcos anatômicos ao longo de uma amostra de mais de 200 indivíduos (linhas contínuas e tracejadas indicam os extremos de variação).

A morfometria geométrica atualmente é bem popular por se tratar de uma ferramenta confiável, barata e precisa para quantificar, descrever e comparar a forma dos organismos. Seja o interesse em mensurar o dimorfismo sexual de uma espécie; diferenças entre populações; entre espécies aparentadas ou que ocorrem em simpatria e em alopatria e até formas fósseis; entre diferentes estágios de desenvolvimento; relação da forma com variáveis ambientais; e até num contexto filogenético, ou seja, observar a evolução morfológica de uma determinada estrutura ao longo da história evolutiva de uma linhagem. Então, podemos constatar que é uma ferramenta com grande gama de aplicações na biologia e que vem complementando outras abordagens utilizadas na paleontologia, ecologia, zoologia, botânica e biologia molecular.

 

Esta abordagem para quantificar a forma dos seres vivos é uma das ferramentas utilizadas pelo laboratório de Ecomorfologia Animal, vinculado ao Departamento de Ciências Biológicas e ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus de Erechim e é liderado pelo professor e pesquisador Rodrigo Fornel.

Texto: Dr. Rodrigo Fornel /  Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) campus de Erechim

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