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Eu acho que vi...uma jaguatirica?

Em geral, os gatos silvestres são animais solitários, noturnos, furtivos e que evitam a presença humana. Observar um felino na natureza se torna um privilégio (e questão de sorte) para poucos. Vestígios deixados por eles, como fezes e pegadas são as formas mais comuns de detectar sua presença em uma região. Infelizmente, outra forma de encontrarmos nossos gatos silvestres é na beira das estradas, onde muitos animais são atropelados diariamente.

 

A falta de contato maior com a natureza e os meios de divulgação concentrados em documentários e reportagens sobre as grandes espécies africanas ou asiáticas leva as pessoas a desconhecerem a diversidade da própria região. Quando se fala em felinos silvestres brasileiros vem logo à mente da maioria das pessoas a imagem da onça-pintada, a maior e mais famosa representante desse grupo no nosso país.

O que pouca gente sabe é que o Rio Grande do Sul apresenta a maior diversidade de gatos silvestres do país (maior inclusive que a da Amazônia!), com oito das nove espécies ocorrentes no Brasil. São encontrados no estado a onça-pinta (Panthera onca), a onça-parda (Puma concolor), a jaguatirica (Leopardus pardalis), o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), o gato-maracajá (Leopardus wiedii), o gato-mourisco (Puma yagouaroundi), o gato-palheiro (Leopardus colocolo) e o gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus).

 

Os felinos pintados pequenos não são fáceis de diferenciar, principalmente para quem não tem familiaridade com esses animais. Em sua maioria, eles têm o pelo parecido, com marcas escuras sobre um fundo de tom amarelado. Essa semelhança talvez seja a causa principal da confusão que se costuma fazer entre algumas espécies. No Rio Grande do Sul é comum que as pessoas em geral denominem qualquer gato pintado como jaguatirica, afinal as espécies menores são também as menos conhecidas.

 

Apesar disso, fazendo uma combinação de proporções do corpo e atentando para detalhes no padrão de manchas pode ajudar na identificação correta. Abaixo seguem algumas características mais notáveis das espécies de pequenos felinos e que podem facilitar diferenciá-las entre si e da tão famosa jaguatirica.

"Pinta de jaguatirica"

A jaguatirica (Leopardus pardalis) é o terceiro maior felino das Américas, perdendo em tamanho apenas para a onça-pintada e a onça-parda e maior que as outras espécies de felinos do estado. É uma espécie de corpo esguio, que pode chegar até 125 cm de comprimento total e pesar até 15 kg.

 

A coloração varia do cinza-amarelado ao amarelo-ocráceo. É coberta por manchas em forma de rosetas abertas que podem se juntar formando bandas longitudinais nas laterais do corpo. Este padrão, junto com a cauda proporcionalmente curta, corpo robusto emaior porte a distingue das outras espécies do mesmo gênero no estado.

Parece, mas não é...

O gato-maracajá (Leopardus wiedii) é o mais comumente confundido com a jaguatirica e com o gato-do-mato-pequeno, devido sua similaridade na coloração e padrão de pintas. Porém, o gato-maracajá é bem menor que a jaguatirica, pesando em média 3,3 kg.

Sua pelagem varia de amarelo-acinzentado a castanho-amarelado, com rosetas grandes, completas e bem espaçadas, nas laterais do corpo. No dorso, as rosetas se fundem formando listras que vão do topo dos olhos à base da cauda. Suas patas são largas em relação ao tamanho do corpo.

Contudo, é no olhar que se distingue o gato-maracajá, seu traço mais marcante. Isto porque seus olhos, em proporção ao tamanho da cabeça, são grandes e protuberantes. Chama atenção também sua extrema habilidade arborícola. Sua cauda espessa e proporcionalmente longa é o acessório perfeito para manter o equilíbrio em suas manobras entre os galhos. e sua grande flexibilidade nas articulações dos calcanhares, que giram até 180 graus, facilita a escalada e descida das árvores.

O gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus) é comumente confundido com filhotes de jaguatirica. É comum confundi-lo também com o gato-maracajá do qual se distingue por seu padrão da pelagem. O padrão de pelagem desta espécie é formado por numerosas pequenas rosetas, fechadas ou abertas, sem formar bandas. Cauda, olhos e patas são relativamente menores.

Com cerca de 3 kg de peso, é junto com o gato-do-mato-pequeno do nordeste (Leopardus tigrinus), o segundo menor gato silvestre da América do Sul. Fato curioso é que até pouco tempo, ele era considerado uma subespécie da outra. Um estudo recente feito por pesquisadores brasileiros identificou que, apesar das semelhanças na morfologia, há diferenças genéticas suficientes para separar os gatos do sul e os gatos do nordeste em duas espécies distintas.

A nova espécie foi designada de Leopardus guttulus e pode ser encontrada nas regiões de Mata Atlântica no sul do Brasil, enquanto que Leopardus tigrinus pode ser encontrada nos ecossistemas do cerrado e caatinga, no nordeste brasileiro.

Por fim, o mais gaúcho dos felinos silvestres brasileiros, o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi). Ele habita exclusivamente o estado do Rio Grande do Sul e preferencialmente a região de influência dos Pampas, sendo considerada a espécie mais comum da região.

Jose B. G. Soares e Fabio Mazim

Recebeu esse nome referente à comparação com a outra espécie menor, o gato-do-mato-pequeno, já que possui porte maior e mais robusto e costuma pesar até o dobro do peso do anterior, atingindo até 8 kg. Apresenta pelagem acinzentada com manchas mais numerosas e pequenas, que são mais sólidas e normalmente não chegam a formar rosetas. Isso o torna uma espécie com padrão único dentre os felinos do estado, o que facilita a sua identificação.

Pretinho básico

Uma curiosidade encontrada nos pequenos felinos é a existência de animais inteiramente pretos (chamados de melânicos, por causa da concentração de melanina). Vale lembrar que esses animais não constituem espécies diferentes, mas apenas uma variação da forma pintada.

 

Somente duas espécies de pequenos felinos pintados podem apresentar pelagem preta: o gato-do-mato-pequeno e o gato-do-mato-grande. Num olhar rápido em campo é muito difícil diferenciá-los. Porém, através de fotografias pode-se procurar pelo mesmo padrão de manchas presentes nos gatos não melânicos das mesmas espécies. Elas podem aparecer, dependendo de como a luz reflete, ao fundo da pelagem negra. Atentar também para as proporções corporais citadas anteriormente.

Gato-do-mato-pequeno melânico (Leopardus guttulus)

Gato-do-mato-grande melânico (Leopardus geoffroyi)

Ainda temos uma terceira espécie de pequeno felino nos pampas que pode apresentar melanismo, o gato-palheiro (Leopardus colocolo). Sua coloração padrão é bem diferente do exibido pelos gatos pintados. Varia de cinza-amarelado a marrom-avermelhado (com ou sem manchas) e possui típicas listras escuras e largas nos membros. Mesmo na forma melânica, sua morfologia é bem distinta das outras espécies, tornando sua identificação fácil. Sua cauda relativamente curta, pelo longo e orelhas pontiagudas chamam atenção. É considerado o felino mais raro do estado.

Gato-palheiro (Leopardus colocolo) melânico / coloração típica da espécie no RS

Se liga na dica!

Cada espécie de felino tem uma distribuição geográfica e preferência por um tipo de ambiente. Prestar atenção na região onde o gato foi visto pode ajudar na hora da identificação!

No Rio Grande do Sul a jaguatirica aparentemente ocorre apenas na metade norte do estado, principalmente nas áreas florestais mais preservadas. Para o Pampa, após décadas sem ser vista, foi feito apenas um registro em 2013 da presença de um individuo na Estação Ecológica do Taim. Por ser um evento isolado, mais investigações dos pesquisadores são necessárias para confirmar a ocorrência da espécie nessa região.

O gato-do-mato-grande ocorre na metade sul do Rio Grande do Sul, na região dos pampas, enquanto que o gato-do-mato-pequeno ocorre na metade norte do estado, mais associado a ambientes de floresta. Casos de hibridação (cruzamento entre animais de espécies diferentes) entre o gato-do-mato-grande e o gato-do-mato-pequeno têm sido registrados na depressão central do Estado, que representa a zona de contato entre as espécies, justamente na transição dos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Já o gato-maracajá ocorre em praticamente todos os ambientes do estado. Como é considerado o mais arborícola dos felinos silvestres, é bastante relacionado a áreas de ambiente florestal. Mesmo em ambientes abertos de pampa, está sempre associado a áreas com cobertura vegetal, como matas ciliares ou de galeria.

Fontes consultadas e sugestões de leitura:

 

De Oliveira, T. G.; De Almeida, L. B.; De Campos, C. B. Avaliação do risco de extinção da jaguatirica Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) no Brasil. Biodiversidade Brasileira, n. 1, p. 66-75, 2013.

 

Oliveira, T.G. & Cassaro, K. 1999. Guia de identificação dos felinos brasileiros. 2nd ed. Sociedade de Zoológicos do Brasil, São Paulo, SP. 60p.

 

Trigo, T. C., Schneider, A., de Oliveira, T. G., Lehugeur, L. M., Silveira, L., Freitas, T. R., &Eizirik, E. Molecular data reveal complex hybridization and a cryptic species of Neotropical wild cat. Current Biology, v. 23, n. 24, p. 2528-2533, 2013.

Texto 

Raissa Prior Migliorini

Laboratório de Biologia de Mamíferos e Aves

Universidade Federal do Pampa

Em 01/07/2016

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